Normalmente não tenho medo de me deitar. Já faz algum tempo em que venho me aventurando a tentar ter sonhos lúcidos. Sempre gostei de mexer com essas coisas que bagunçam e assustam a mente, me causa uma adrenalina diferenciada.
Meu nome é Thiago. Tenho 21 anos e, apesar da idade, tenho uma vida pouco agitada. Já namoro a um bom tempo, mas não convém falar disso agora. Tenho poucos amigos, mas acredito que os que tenho sejam amigos que morreriam comigo, se preciso.
Resolvi escrever para falar do que passei, não que vá fazer diferença, mas talvez alerte sobre a sua mente, que é a pior arma que pode existir. Ela cria coisas que podem ser reais.
Foi uma noite de verão atípica na qual tudo ocorreu. Estava bastante frio e havia um vento forte soprando até mesmo pelas pequenas frestas das janelas. Minha namorada, Carolina, estava saindo do banho naquele momento.
-Carol, você quer um cobertor?
-Não, ta frio! Quero no mínimo dois.
-Mas você sabe que eu fico com muito calor. Vamos colocar só um e eu te abraço bem apertado pra te esquentar.
-Ta, tudo bem. Mas se eu sentir frio vou fazer você levantar no meio da noite.
-Ok. Sem problemas. Vou tomar banho e volto rapidinho para te esquentar.
Dessa forma eu peguei minhas coisas e fui para o banho. Ainda era cedo, o relógio marcava 21:28. Talvez não estivesse certo, o horário de verão havia acabado naquele fim de semana e eu não tinha certeza se havia corrigido aquele relógio. Não importa, pensei, vou para o banho porque estou cansado, e não pelo horário. Tomei um banho quente (algo que raramente acontecia) e fiquei observando por alguns instantes o box do banheiro ir embaçando. desenhei um rosto com olhos, nariz, orelhas e um risco reto no lugar da boca. Não queria dizer que o rosto estava feliz ou triste. Escrevi um boa noite no vidro embaçado e parei para ficar olhando.
Você deve reconhecer que todos nós temos medo de alguma coisa sobrenatural. Naquele instante comecei a olhar o desenho com uma mistura de medo e desejo de que algumas palavras começassem a serem escritas logo em baixo das minhas. Olhei atentamente, fixamente. A aguá saindo do chuveiro começou a bater no meu corpo, queimar a minha pele com toda a temperatura, e a fumaça subia, embaçando o que eu havia escrito, abrindo espaço para um novo desenho, uma nova mensagem. Meu corpo começou a sentir a queimadura que a água causava mas eu sentia que não poderia sair dali antes de alguma coisa acontecer. Permaneci firme, olhando, querendo algo, minha mente dizia que tinha alguém ali para me responder. Minha mente me dizia que logo as palavras surgiriam sendo escritas no box embaçado por dedos que eu não veria, ou veria e iria morrer de medo. Apesar do medo eu continuei ali até ouvir minha namorada gritando algo que não entendi.
Parei por um momento de olhar. Sai da água que me queimava e olhei para a parede do banheiro que era colada com a do quarto. Por algum motivo pensei que olhando para a direção da voz talvez eu entenderia melhor o que ela gritou.
-Você não vai sair daí hoje? Ela gritou novamente, parecendo brava.
-Já estou saindo. Respondi gritando de volta.
Desliguei o chuveiro e me voltei para abrir o box para pegar a toalha. Observei que meu boa noite estava ali: firme e bem escrito. Ri de mim mesmo por ter sido tão bobo imaginando coisas sobrenaturais. Me enxuguei, escovei os dentes, me vesti e fui dormir. Relógio estúpido, marcava 22 horas. Certamente estava errado.
Estava abraçado com a Carolina que achei que já havia dormido. Estava quase pegando no sono quando ela me disse para ir pegar outro cobertor. Me desenrolei e levantei, afinal, ela havia avisado que poderia sentir frio. Jesus, estava realmente frio. Assim que sai da coberta eu senti meu corpo perder calor demais. Me lembrei do chuveiro quente. Será que é possível dormir dentro da água? Eu adoraria ficar naquela água quentinha. Ah! O vapor. Será que meu boa noite já havia sumido? Não importa.Cobri a Carol e me deitei. Ela suspirou quando eu abracei ela me perguntou -Ué, você leu meus pensamentos?
Fique um tanto quando confuso -Não entendi meu amor. Como assim?
-Eu estava querendo mesmo um cobertor.
-Eu sei, ué. Você me pediu. Respondi para ela meu confuso, ainda.
-Não, Thi. Não pedi não. Ela respondeu com tanta firmeza que quase acreditei.
-Ta doida meu amor? Você pediu que eu....
-Não importa. Disse ela me interrompendo. -Fico feliz que você pegou outro cobertor. Estava com frio mesmo.
Logo depois ela dormiu e eu fiquei ali, pensando se eu havia sonhado ou se estava a tanto tempo com ela que havia lido os pensamentos dela, realmente. Que horas já deveriam ser? O celular estava longe. Não sei bem onde, mas estava longe. Será que estava no banheiro, pensei eu. Acho que o vapor estraga o celular. Ah! O vapor. Lmebrei no meu Boa noite escrito no box embaçado e na carinha que desenhei. Já estava quase dormindo. Naquele estado que ficamos onde ainda estamos acordados mas já quase dormindo. Comecei a relembrar meu dia. Engraçado, não tinha reparado ainda que o boa noite estava firme ali quando sai do banho. Eu me lembro de ter visto o vidro voltar a ser embaçado enquanto esperava uma "resposta". Será que me enganei também. Não importa, já estava ficando sem consciência e com muito sono. Aquele "boa noite" estava forte mesmo. Mas e a carinha? A carinha não estava desenhada. Eu vi ela sumir junto com o boa noite antes de me virar para ouvir melhor a Carol gritar algo. Eu me lembro que vi!
Acordei com a Carol me abraçando. Nem me lembro de termos nos virado. O abraço estava gostoso. Senti ela se mexendo. Aproximando a boca do meu ouvido. Estava meio sonolento ainda, mas comecei a me excitar com aquela aproximação no meio da noite, inesperada. Carol chegou com a boca no lóbulo da minha orelha, de modo que eu sentia a respiração dela entrar dentro do meu ouvido. Uma respiração forte. Forte demais. Na verdade forte até demais para ser a da Carol. Congelei. Naquele momento eu estava estático pensando onde eu estava. Imaginando se aquele quarto escuro era de fato o mesmo em que peguei no sono com a minha namorada a pouco tempo atrás. A boca se abriu e eu tremi de medo. Então uma voz rouca me disse com um leve deboche nas palavras -Você já tentou se mexer?
Meu Deus! Eu estava deitado de lado, na beira da cama, as pernas encolhidas de modo que o joelho estava para fora da cama e os pés para fora da coberta. Eu não consegui mexer nem sequer um músculo do meu corpo. Alguém estava ali, aquele alguém que e abraçava por ter a certeza que eu não sairia dali. Sentir o suor escorrer em mim. Eu estava preso, nervoso, com medo. Carolina, onde ela foi? Será que essa mesma coisa levou ela. Será que ela está bem. Quanto medo. Eu precisava me mexer. Me lembrei das regras da paralisia do sono. É isso. Comecei a focar minhas forças em mexer os dedos do meus pés. Precisava mexe-los. Aquilo deveria ser paralisia do sono. Após os dedos eu comecei a forçar para mexer o pé. Meu corpo estava respondendo. Girei meu corpo, mas notei que todos os lados tinham o mesmo cenário, independente de onde estava olhando. Não vi quando mas o braço que antes me abraçava já não estava ali. Sumiu!
Pensei que talvez pudesse ser um pesadelo. Sim! Obvio que seria um pesadelo. Nada some assim. Me acalmei e olhei o ambiente para confirmar que era um pesadelo. Havia um canto entre duas paredes, uma poltrona, uma sombra na poltrona que eu sabia de alguma forma, que era quem me abraçava. Comecei a pensar da forma mais intensa que podia na frase "Quero acordar! Acordar! Acordar! Acordar".
A sombra se levantou, havia um chapéu nela. Vi que vinha em minha direção. Meu Deus, eu precisava acordar logo! Comecei a implorar por acordar. A sombra estava próxima de mim. Começou a se abaixar para eu poder ver quem era. Eu implorava! A sombra estava chegando perto e eu acordei. Assustado, muito suado e com medo, acordei em pé no centro do meu quarto.
-Thi, está tudo bem? Carol me perguntou com a voz sonolenta.
-Tudo sim meu amor, só estou com sede. Não queria dizer o que houve para que ela não precisasse realmente acordar.
-Ta. Me traz um copo com água quando vier.
Sai do quarto para o corredor onde fui até a cozinha. Acendi a luz e meus olhos arderam. Peguei um copo tateando o armário e fui até a geladeira enquanto minha visão voltava ao normal. Tentei ver o relógio para descobrir que horas eram, mas ele estava muito próximo da lâmpada que ilumina a cozinha, não conseguia focar direito. Bebi a minha água, coloquei o copo na pia e respirei fundo. Foi apenas um sonho. Voltei em direção ao quarto, apaguei a luz da cozinha e me lembrei do copo com água para a Carol. Acendi a luz novamente, me virei e percebi que meus olhos já estavam mais habituados com a claridade. Peguei a Água, olhei para o relógio que marcava 00:53. Fui pensando se aquilo seria horário de verão ou se eu havia arrumado as horas nele. Levei a água e resolvi sair para procurar meu celular.
Olhei sala, cozinha e só sobrou o banheiro. Enquanto dava passos pelo curto corredor e me aproximava do banheiro, uma lembrança começou a entorpecer a minha mente. O rosto no box embaçado, eu me lembro de vê-lo se apagando junto ao meu boa noite. Depois me lembro de ver o boa noite. Será que eu havia recebido uma resposta? Não é possível. Essas coisas não existem, e por isso mesmo buscamos elas. Comecei a me lembrar dos filmes de terror, das histórias macabras. Meus pés estavam indo na direção do banheiro, mas minha mente gritava para que eu voltasse. Para que corresse até a minha namorada e abraçasse ele com toda força que eu tivesse. Minha mente era uma criança com medo do monstro que não estava no guarda roupa, mas no box.
Enquanto pensava parei em frente a porta já aberta. O banheiro parecia mais escuro que o de costume. Levei minha mão lentamente pela parede para que pudesse acender a luz e provar para mim mesmo que aquilo tudo era uma besteira. Mas e se aquilo tudo não fosse uma besteira? Já era tarde. Minha mão atingiu o interruptor. Ouvi o clique e vi a luz invadir cada canto do banheiro, do box, da sapateira que estava ali ao lado. Lá estava o vidro limpo. Pequenas manchas brancas do que havia sido escrito por mim mesmo. Meu corpo entrou em um estado de relaxamento. Um leve sorriso preencheu meus lábios.
Passei o olho pela pia e vi ali o meu celular. Peguei ao mesmo tempo que dava as costas para o box e apagava a luz. Talvez pelo sono, talvez porque tinha que ser assim... meu celular caiu da minha mão. reacendi a luz para apanha-lo do chão, com raiva. Quando me virei, lá estava o box embaçado. Lá estava o boa noite. Através dele embaçado eu pude enxergar aquela sombra, aquele pesadelo. Vi enquanto os dedos deslizavam pelo vidro e criavam uma carinha que já não era sem sentimento, mas era triste, com uma lagrima desenhada ao lado do olho direito. A mesma lagrima que surgia de medo, em minha face. me virei e sai, gritei pela Carol. Acendi a luz do corredor. Acendi a luz do quarto quando entrei e olhei em direção a cama. Lá estava eu. Lá estava meu corpo abraçado com a Carol e um copo vazio ao lado da cama.
Não pode ser outro sonho! Ouvi o box do banheiro se abrindo. Ignorei meu medo e o espanto que estava com aquela situação. Não importa o que há. Não podia deixar minha mente pregar peças em mim. Havia alguém ali dentro de casa. Tentei me mover mas estava paralisado. Tentei gritar mas não tinha voz. A sombra já estava na porta. Eu queria me fazer ouvir! Eu queria me fazer entender.
A sombra começou a entrar no quarto, vinhe em minha direção. O único sentimento o qual meu corpo podia sentir era o medo. Já havia se apoderado de mim. Tocou meu braço. Sentia aquele toque que era quente e queimava como brasa. Sentir arder. Sentia como se uma parte de mim estava sendo arrancada. Com meus olhos cheios de lágrimas eu olhei par a cama mas não pude ver. Havia muita lágrima em meu olho enquanto a sombra me abraçava e me engolia para dentro dela, para um abismo onde tudo é o nada escuro e e vago. Havia muitas lágrimas em meu olhos, muitas. Tantas que já não sabia se vinham dos olhos ou do topo da cabeça e escorriam pelo meu rosto. Ouvi então um grito. Era a voz dela. Estava longe mas eu tinha certeza que era. Me concentrei, tentei ouvir melhor e então ouvi -Você não vai sair daí hoje?
Num piscar de olhos eu vi que estava no banheiro. Senti a água queimando meu braço enquanto eu estava parado ali, de frente para o box embaçado com uma carinha neutra e um boa noite se apagando.
Novamente ouvi a voz dela gritando para perguntar se eu não iria sair. Eu me ergui. Podia me mexer, e senti que era a melhor coisa do mundo. Soltei a voz do fundo da minha garganta e disse que estava saindo. Como era bom gritar e ser ouvido. Como era bom andar em direção da porta sabendo que tive uma pequena viagem enquanto ainda estava acordado no box. Como era bom não sentir mais medo.
Sai do banheiro e, para não cometer os mesmos erros resolvi logo pegar meu celular na bancada. Ao me virar, abaixo do meu desenho se apagando estava a carinha triste e um Boa Noite sendo escrito por um dedo que eu não conseguia ver.
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